Agostinho, influenciado pelo neoplatonismo, entende a beleza como expressão da ordem e da unidade. Ele associa a beleza à harmonia e à proporção, categorias que, segundo ele, remetem a um princípio mais elevado: Deus. Assim, a beleza sensível, seja em uma escultura, uma melodia ou um poema, tem valor não por si mesma, mas na medida em que nos remete a Deus. Esse horizonte metafísico implica que a arte verdadeira não é aquela que apenas agrada aos sentidos, mas a que conduz à contemplação da verdade.
A concepção agostiniana de beleza não se limita a uma teoria estética, mas se insere em uma perspectiva mais ampla. Para ele, a beleza é um vestígio da perfeição divina presente na criação, manifestando-se através de princípios como ordem, medida e número. Estes princípios não são meras construções humanas, mas reflexos da sabedoria divina impressa no mundo. A arte, quando verdadeira, deve revelar e celebrar essa ordem fundamental, tornando-se assim um caminho para a contemplação do divino.
Se a arte pode remeter à verdade, surge uma questão crucial: há um risco de que ela nos desvie desse caminho? Agostinho debate esse problema particularmente na música e na poesia. Em Confissões, ele relata seu receio de que a beleza das melodias possa capturar excessivamente a alma, desviando-a da mensagem religiosa que deveria estar em primeiro plano. O prazer estético, portanto, precisa ser subordinado ao valor espiritual.
Mas isso significa que a arte deve ser puramente didática e funcional? Em sua maturidade, Agostinho não propõe uma rejeição total da experiência estética, mas sim um discernimento: a arte deve ser julgada por sua capacidade de elevar a alma ao divino, e não apenas por sua habilidade técnica ou impacto sensorial.
Esta tensão entre o sensível e o inteligível na experiência artística reflete uma preocupação mais profunda na filosofia agostiniana: a necessidade de equilibrar a apreciação da beleza criada com a busca pela beleza incriada. Nesse sentido, Agostinho desenvolve uma teoria dos números que fundamenta tanto a harmonia musical quanto a ordem cósmica. A música terrena, quando corretamente compreendida, torna-se um reflexo da música celestial, uma manifestação sensível da harmonia divina que governa toda a criação.
Se Deus é o criador de todas as coisas belas, qual o estatuto do artista humano? Aqui, Agostinho antecipa um problema que se tornará central na tradição medieval: a arte imita a criação divina, mas não a substitui. O artista não cria do nada, mas reorganiza formas já existentes, ecoando em seu trabalho a ordem imposta por Deus ao mundo. Esse pensamento, embora não sistematicamente desenvolvido por Agostinho, influenciará toda a estética medieval.
Esta concepção do artista como imitador da criação divina não diminui a importância da arte, mas redefine seu propósito. O artista verdadeiro é aquele que, reconhecendo os limites de sua condição criativa, busca em seu trabalho manifestar a beleza superior que contempla interiormente. A arte torna-se assim um exercício de humildade e contemplação, onde o artista reconhece que sua capacidade criativa é um dom que deve ser direcionado para a glorificação do Criador.
A noção de que a arte deve ser um reflexo da verdade divina impõe limites ao que pode ser considerado uma criação artística legítima. Obras que desviam a atenção da contemplação de Deus ou que despertam paixões desordenadas podem ser perigosas. Essa visão sugere que a arte não pode ser neutra: ela ou conduz à verdade ou afasta dela. Esse pensamento influenciará profundamente a arte cristã medieval, na qual a função catequética das obras será enfatizada.
Este critério de avaliação da arte, baseado em sua capacidade de elevar a alma, estabelece uma hierarquia entre diferentes formas artísticas. As artes que mais diretamente expressam proporções matemáticas e harmonia, como a música e a arquitetura, ocupam um lugar privilegiado nesta hierarquia, pois manifestam mais claramente a ordem divina. No entanto, mesmo as artes mais "materiais" podem cumprir uma função espiritual quando orientadas para o louvor divino.
Dessa forma, a arte, para Agostinho, é um meio e não um fim. Seu valor não se define por critérios internos à produção artística, mas por sua função no caminho da alma para Deus. Nesse sentido, a visão de Agostinho sobre a arte nos convida a repensar o sentido da experiência estética: será que na beleza buscamos apenas o prazer momentâneo ou há nela um chamado para algo além?
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