Há cerca de um mês, ou um pouco mais, o amigo Marco Túlio Resende, importante artista plástico mineiro, sugeriu-me a leitura do livro "A Civilização do Espetáculo", do escritor peruano e ganhador do Prêmio Nobel, Mario Vargas Llosa. Descobrir um novo livro ou filme que desperta nosso interesse é sempre emocionante, e quando a recomendação vem de um amigo, torna-se ainda mais especial, pois demonstra um conhecimento profundo sobre nossos gostos e preferências. Nesse caso, ele acertou em cheio.
Ao ler esse livro, tive a oportunidade de uma profunda reflexão, especialmente ao considerar que o autor, possivelmente em seus últimos anos, continua nos fornecendo sabedoria sobre política, liberdade de expressão e romances criativos que refletem nossos tempos.
Sobre a obra, destaco a capacidade do autor de chamar a atenção para os desafios que enfrentamos como sociedade, especialmente no que se refere ao esvaziamento da cultura, que se tornou mero entretenimento para as massas. A cultura, que deveria ser um instrumento de reflexão e compreensão do mundo, tem servido cada vez mais para nos distrair do que realmente importa. Em alguns casos, ela até agrava os problemas que já enfrentamos no dia a dia.
Segundo Llosa, no passado, a literatura e a música não eram apenas formas de entretenimento, mas veículos para refletir sobre questões sociais e políticas, como escravidão, injustiças, ditaduras e a própria evolução da cultura. Escritores como George Orwell, Dostoiévski e Camus produziam obras que nos faziam pensar criticamente sobre seus tempos. Atualmente, segundo o autor, a literatura tem se reduzido a um produto de consumo imediato, voltado para aliviar o tédio em aeroportos e salas de espera. Esse fenômeno leva à repetição de fórmulas que vendem bem, mas que não necessariamente provocam reflexão. Se os autores continuarem seguindo esse caminho comercial, poucos escritores inovadores surgirão, pois o mercado os condicionará a produzir obras cada vez mais superficiais.
O mesmo ocorre com os serviços de streaming, tanto de música quanto de vídeo, que oferecem ao público o que ele quer ver, e não o que precisa ver. Muitas vezes, experimento essa realidade ao assistir a algumas séries da Netflix ou do Prime Video. São produções que, embora possam ser divertidas, raramente provocam reflexão sobre os problemas da sociedade. Não me trazem novos aprendizados, pois são concebidas apenas para entreter. Enquanto isso, filmes que poderiam nos ensinar algo ou despertar emoções mais profundas ficam restritos a festivais independentes, longe do grande público. Isso não significa que todos os filmes independentes sejam excelentes, mas ao menos poderíamos exigir um conteúdo de maior qualidade. A Netflix, por exemplo, já ofereceu um catálogo mais rico, mas, com o tempo, passou a produzir conteúdos guiados por algoritmos, focando naquilo que a maioria deseja consumir – e, infelizmente, na maior parte das vezes, isso se resume a entretenimento descartável.
Não sou religioso nem um conservador nostálgico que rejeita as mudanças culturais. Também não defendo que todos precisemos ouvir apenas Mozart ou Wagner, compositores que refletiam, em suas obras, as tendências da sociedade em que viviam. Tampouco sou contra o pop. Como coreógrafo, no passado, fui extremamente crítico a tudo que era popular, julgando arbitrariamente qualquer manifestação artística que seguisse as tendências do momento. Com o tempo, percebi a beleza em diversos gêneros, mesmo que nem todos me agradem pessoalmente. Passei a respeitar aquilo que não gosto, sem a necessidade de menosprezá-lo.
Para Llosa, a sociedade tem aceitado passivamente o domínio dos algoritmos nas redes sociais, nos serviços de streaming e até na forma como consumimos música. O tempo médio de atenção a qualquer forma de mídia diminuiu drasticamente. No Spotify, raramente uma música ultrapassa três minutos. Há algumas décadas, tínhamos composições de jazz de 20 minutos e solos de rock que passavam dos 10 minutos, pois essas músicas contavam histórias. Hoje, a música eletrônica está entre os gêneros mais populares da plataforma, refletindo uma tendência: as pessoas querem apenas festejar, sem grandes aprofundamentos.
Llosa analisa também o fenômeno do lo-fi, gênero musical que nasceu na internet e ganhou enorme popularidade. Ele sugere que estamos transformando a música em mero plano de fundo para outras atividades, seja estudar ou trabalhar, em vez de dar-lhe a devida atenção. A música, antes apreciada como arte, tornou-se uma espécie de companhia discreta, que preenche o silêncio sem exigir envolvimento. Isso pode explicar por que os shows acontecem com menos frequência e por que o desejo de formar bandas tem diminuído ano após ano.
Além disso, segundo Llosa, a sociedade está mais interessada nos escândalos das celebridades do que em suas realizações, crenças e valores. Talvez tenhamos menos ditadores do que no passado, mas agora temos estrelas de TV e influenciadores digitais tomando decisões que afetam milhões de pessoas. O antigo Twitter, agora X, ilustra bem essa realidade: aplaudimos declarações curtas e superficiais em vez de valorizar discussões mais profundas. Vivemos em um tempo em que a política se assemelha a um reality show, em que líderes e gigantes da tecnologia trocam insultos para entreter suas plateias.
Em conclusão, vivemos no espetáculo da nossa própria decadência. Admiro Mario Vargas Llosa, apesar de discordar de algumas de suas ideias. Suas obras são profundas, e ele não teme encarar os próprios demônios. Reconhece nossas falhas e sabe que jamais seremos perfeitos. No entanto, sua maior preocupação – e também a minha – é que, em vez de avançarmos, estejamos caminhando rumo a uma deterioração severa da cultura e da sociedade.
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