Quando pensamos em moda, o que vem à mente?
Talvez roupas cheias de informação, shoppings lotados ou até mesmo o gigantesco cemitério de roupas usadas no deserto do Atacama.
De onde veio tudo isso? Como chegamos até aqui?
Entender de onde vem todo esse imaginário pode nos ajudar a ver – e lidar – com a moda de uma forma nova.
O livro O Império do Efêmero, de Gilles Lipovetsky, explora a transformação da moda e sua evolução no tempo de uma forma um tanto quanto complexa? Sim! Mas com reflexões valiosíssimas.
O novo pelo novo
A moda é um fenômeno relativamente recente. A forma como entendemos a moda hoje só começou a se popularizar de fato no século XIX, quando a Revolução Francesa trouxe uma quebra nas tradições e na forma como as pessoas se vestiam.
Antes, as tradições eram mais valorizadas, o vestuário tinha regras mais rígidas e as roupas diziam muito sobre a posição social.
A ruptura da valorização da tradição deu lugar ao culto pelo novo.
Aos olhos de Lipovetsky, o que ocasionou o surgimento da moda foi muito além da relação entre a burguesia e a aristocracia; foi através da valorização do novo pelo novo – e não porque ele foi incorporado culturalmente.
O que era pensado para o coletivo passa a ser individual. Na Idade Moderna, também surge o conceito de indivíduo – e, portanto, a construção do gosto.
O processo decisório agora está nas mãos de cada consumidor. Aliás, o consumo é o que está por trás de todo esse contexto.
As 3 fases da moda
Gilles Lipovetsky divide a evolução da moda em três fases:
- Moda aristocrática Restrita às elites, usava as roupas para sinalizar status e poder.
- Moda de 100 anos Marcada pela democratização da moda e ciclos mais lentos de tendência, impulsionados pela Revolução Industrial e a globalização. Aqui começa a organização do sistema e calendário de moda como conhecemos hoje.
- Moda aberta Reflete a aceleração do consumo e a universalização das tendências. A moda se torna acessível a todos, com velocidade nas mudanças e personalização, mas também com a prevalência do consumo rápido e da obsolescência programada. Nessa fase, a alta costura não dita mais a tendência – ela apenas valida o que está nas ruas. Pessoas à margem da sociedade agora influenciam a moda, mudando um paradigma histórico.
Atualmente, com essa aceleração globalizada e ânsia pelo novo, também vemos propostas muito diferentes de estética coexistindo.
Para toda tendência, existe uma contratendência:
Se de um lado temos o excesso, do outro temos o slow;
Se de um lado temos um grupo de pessoas elegantes, de outro temos as pessoas mais exuberantes.
A interdependência entre moda e consumo
Lipovetsky defende que a moda está no centro da sociedade do consumo, criando um ciclo onde as pessoas compram, consomem e logo descartam.
A busca incessante por novidades moldou os hábitos de consumo e o comportamento social.
O modo de produção fast fashion acelera as tendências de forma impressionante – o que é novo hoje, torna-se velho amanhã.
Lembrando que o livro foi escrito na década de 80! E esse ritmo se intensificou com a internet e o TikTok, que aceleraram ainda mais o surgimento das tendências – é impossível acompanhar tudo.
Influência para muito além da moda
Para produzir em massa, passamos a adotar uma nova estética: mais simplificada, neutra, com linhas retas. Para uma estética universal, perdemos cultura e regionalidade. E muitas vezes nem percebemos essa perda, pois crescemos aprendendo que isso é beleza.
“Ganha-se na produção, perde-se na produção cultural.”
Ainda assim, há um lado positivo: a produção em massa democratizou o acesso a roupas com informação de moda.
Essa mudança estética ultrapassa a moda – afeta arquitetura, design de produto e eletrodomésticos. Quanto mais técnico o aparelho, mais sóbria e depurada sua aparência.
“Sofisticação frívola das formas foi substituída pelo superfuncionalismo high tech.”
Lipovetsky
Os paradoxos da moda
Vivemos na era das hiper escolhas. Produtos e subprodutos para todos os gostos – inclusive na moda.
No passado, as transformações eram mais drásticas. Hoje, as mudanças são mais sutis, quase decorativas. O consumo é acelerado, mas a inovação profunda acontece em ciclos mais longos.
A moda, portanto, é cheia de paradoxos:
- Pertence e diferencia
- Massifica e personaliza
- Homogeniza e cria micro diferenciações
- Fala do novo, mas repete o passado
- Permite expressão individual, mas impõe padrões
Estar no social, mas com expressão individual
Lipovetsky destaca que a moda é, antes de tudo, comunicação.
Ela nos permite pertencer – ou não – a determinados grupos. Quantas vezes você já se identificou com alguém só pelo que ela estava vestindo?
As roupas que escolhemos dizem muito:
- Sobre nossa personalidade
- Nossas escolhas
- Nossos valores
Na sociedade de consumo, os itens de vestuário viraram símbolos de identidade e status.
A moda não é só uma tirania coletiva de tendências: ela também nos liberta para sermos quem quisermos.
Como a moda se encaixa na sua vida?
O Império do Efêmero não é só uma crítica à moda. É um convite à reflexão sobre o nosso próprio papel nesse sistema.
Mesmo a moda masculina, historicamente mais prática (fruto da "Grande Renúncia" – assunto para outro dia!), pode ser analisada com esse olhar.
“Estamos consumindo moda ou sendo consumidos por ela? Estamos escolhendo roupas que nos representam ou só seguindo tendências?”
Se existe a moda cheia de excessos e desperdícios, também existe a moda slow e o consumo consciente.
De qual lado você prefere estar?
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