Para compreendermos o contexto cultural no qual surgiu o Tropicalismo, é importante ressaltar que, na década de 1950, a sociedade brasileira evoluía artisticamente. Musicalmente, o samba tradicional foi superado pela suave e elegante Bossa Nova, liderada por Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Este movimento atraiu novos artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, bem como renomados jazzistas americanos que levaram essas músicas suaves ao mundo inteiro.
Os novos artistas, como Jobim, Gilberto e outros, rapidamente sentiram a necessidade de ir além, ultrapassar barreiras e virar o jogo. Inspirados pela música pop europeia e pela arte revolucionária da Pop Art americana, abriram-se a novas sonoridades e movimentos teatrais iconoclastas, impulsionando a arte no Brasil.
Um marco significativo foi o primeiro festival internacional de música pop em Monterey, Califórnia, em junho de 1967, que impactou mundialmente, estabelecendo um novo modo de vida baseado no amor, música e contracultura, simbolizado pelo "Verão do Amor" e pela obra-prima dos Beatles, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". Os músicos brasileiros não ficaram alheios a esse chamado. Poucos meses depois, aconteceu no Brasil o III Festival da Record, onde Caetano Veloso e Gilberto Gil foram convidados.
Nesse evento, Veloso apresentou "Alegria, Alegria", acompanhado por um grupo de músicos influenciados pela música pop, os Beat Boys. Sua apresentação foi recebida com vaias por parte do público, que considerava uma heresia a introdução da eletricidade na música brasileira. Mesmo assim, Veloso continuou cantando e afirmando seu desejo de mudar a época. "Alegria, Alegria" não venceu o festival, mas conquistou uma parte do público e elevou Veloso à categoria de pop star no Brasil.
Os jovens artistas queriam incorporar a tradição na modernidade, não apenas na música, mas também nas artes gráficas e cinematográficas, influenciados pela Nouvelle Vague francesa, especialmente as obras de Jean-Luc Godard. Para Caetano Veloso, o Tropicalismo foi um sincretismo cultural, exigindo liberdade de expressão e rejeitando a cultura "oficial" imposta pelas autoridades. No festival da Record de 1968, Veloso criticou o júri por eliminar uma música de Gilberto Gil, evidenciando um ar de revolta no Brasil.
O nome "Tropicalismo" foi ratificado em 1968 com o lançamento do disco "Tropicália" de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que se tornou o manifesto do movimento. A música sintetizava a música popular brasileira (MPB), a música pop e de vanguarda, influenciada pela cultura psicodélica norte-americana e politicamente engajada. A capa do disco, criada por Rogério Duprat, refletia a influência da Pop Art e provocava a cultura tradicional.
Além da música, o Tropicalismo influenciou artes plásticas com Hélio Oiticica, o Cinema Novo com Glauber Rocha, e o teatro com José Celso Martinez Corrêa. O movimento enfrentou resistência tanto da direita, que os acusava de desvio e inconsciência, quanto da esquerda, que os acusava de preocupação apenas com o sucesso artístico. Contudo, os Tropicalistas explicavam sua recusa aos valores conservadores e seu desejo de subverter os códigos estéticos, inspirando-se em movimentos como o de maio de 1968 na França.
A Tropicália deixou um legado duradouro na música, cinema, literatura e poesia, sendo mais inventiva na música. A MPB, embora considerada burguesa e intelectual hoje, deve sua existência aos Tropicalistas que lutaram pela criatividade e liberdade cultural. O movimento continua relevante, apesar de se tornar um nicho, influenciando jovens compositores e moldando a cultura brasileira.
No início do século XXI, o significado da MPB se tornou vago, sendo uma relíquia do tempo do período militar e indicador de transformação no sistema de canções do Brasil. A Tropicália permanece uma referência essencial na construção do gosto musical brasileiro, refletindo a luta por liberdade e inovação cultural nos anos sessenta.
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