Antes de falar sobre este filme, preciso confessar que só consegui assistir após três tentativas. As cenas iniciais me causaram medo e escárnio, mas na terceira vez respirei fundo e decidi embarcar na viagem do diretor e roteirista britânico, J. Blakeson. Acabei me envolvendo tanto com a trama que, ao final, fiquei completamente extasiado com o que assisti.
Disponível na Netflix, "Eu me importo" é um filme que mistura humor cruel com uma crítica social sobre ambição, ganância, falta de escrúpulos, e como os mais velhos são tratados. Rosamund Pike, Dianne Wiest e Peter Dinklage entregam performances impressionantes ao longo da trama, que é cheia de reviravoltas.
Sob o disfarce de uma comédia cínica e cruel, o filme oferece uma reflexão perturbadora sobre a condescendência com que tratamos os mais velhos, além de questionar as motivações da ambição e as concessões que estamos dispostos a fazer para alcançar o sucesso. Ele também explora como algumas pessoas lidam com a moralidade (ou a falta dela) para fazer fortuna.
Marla Grayson, interpretada por Rosamund Pike, indicada ao Globo de Ouro por este papel, usa de uma perversão calculada para atingir seus objetivos. Junto com sua amante Fran, interpretada por Elza Gonzalez, elas formam uma dupla implacável. O esquema que implementam exige uma total ausência de compaixão. Com a ajuda de uma geriatra, do pessoal de um lar de idosos e aproveitando a fraqueza de um juiz, elas são nomeadas curadoras legais de pessoas maiores de 18 anos (de preferência muito ricas), confiscando seus bens.
Privadas de comunicação, separadas da família e sedadas por ansiolíticos, as vítimas não têm mais energia para resistir.
A ideia para o filme surgiu quando o diretor leu artigos sobre curadores predatórios que burlaram o sistema para explorar pessoas sob sua tutela. O próprio J. Blakeson comenta: "Imagine abrir a porta e encontrar alguém com um pedaço de papel que lhe dá total poder legal sobre você. Essa ideia me aterrorizou."
É quando Marla e Fran pensam que encontraram a "galinha dos ovos de ouro" na pessoa de Jennifer Peterson (a maravilhosa Dianne Wiest) que o plano delas começa a desmoronar. A "velhinha simpática" é ainda mais formidável, pois está intimamente ligada aos mafiosos liderados pelo terrível Roman, interpretado por Peter Dinklage, de "Game of Thrones". Mas as duas predadoras não pretendem desistir facilmente.
No papel principal, Rosamund Pike leva sua personagem ao limite do cinismo, da ganância e da total falta de escrúpulos, tornando "Eu Me Importo" um filme engraçado, estimulante, revoltante e até assustador. Marla Grayson é uma renomada tutora especializada em idosos ricos e, às custas deles, vive uma vida de luxo. Mas sua próxima vítima guarda segredos perigosos, e Marla terá que usar toda sua inteligência para lidar com a situação.
Pouco discutido no cinema, o tema dos idosos e o destino que lhes é reservado nos lares de idosos raramente aparece nas grandes produções. O filme de J. Blakeson disseca com um cinismo aterrador o negócio que envolve a exploração dos mais velhos, ridicularizando todo um sistema, desde tutores legais até médicos e diretores de lares de idosos. Todos são apontados para expor a hipocrisia e a malevolência do sistema. O título do filme, "Eu me importo muito", ironiza a ideia de caridade bem-intencionada, mostrando, na verdade, um lobo em pele de cordeiro.
No centro dessa trama nada saudável, Rosamund Pike compõe uma personagem fascinante, repleta de ganância e desonestidade. Sob a fachada de uma mulher exemplar, com um olhar polido e uma aura de santidade, ela esconde um instinto carnívoro e uma vontade obstinada de nunca ceder diante da adversidade. Ela é mestre em identificar pessoas isoladas e ricas, sustentando assim seu estilo de vida luxuoso.
Precisamente por ser mulher e, portanto, alvo dos preconceitos de uma sociedade patriarcal, ela faz questão de se comportar como uma predadora. Não revelarei aqui os detalhes de como Marla e Roman, dois personagens antagônicos, se enfrentam, mas posso admitir que é exultante ver esses dois cabeças-duras – com tendências psicopáticas – em um duelo implacável. O filme rapidamente se transforma de um thriller absurdo em uma comédia sombria e louca, repleta de cenas engraçadas e humor devastador.
A terceira parte do filme desperta tanto risos quanto consternação. Embora o final seja um pouco convencional, todo o filme é permeado por um brilho inegável. Os figurinos usados por Rosamund Pike são notáveis, assim como o trabalho de seu cabeleireiro, que cria visuais perfeitamente condizentes com cada situação.
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