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Freud e a arte: o poeta, o brinquedo e o sonho

De onde vem a arte? O que leva alguém a escrever uma história, pintar um quadro, compor um poema? Estaria o artista movido por algo nobre e elevado, ou, ao contrário, estaria lidando com forças primitivas, pulsões abafadas, desejos mal resolvidos? Por que somos atraídos por imagens que nos perturbam ou nos causam desconforto? E mais: será que o poeta é mesmo alguém especial, ou seria ele apenas uma criança crescida, brincando com palavras?

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9 minutos

Sigmund Freud, em seu ensaio O poeta e o fantasiar, de 1908, propõe algo que, à primeira vista, soa como uma provocação: o poeta não é tão diferente da criança que brinca. Ambos criam mundos fictícios, investem neles afetivamente, e, o mais importante, ambos mantêm uma distância deliberada da realidade. Para Freud, o poeta seria alguém que, ao invés de abandonar o prazer de fantasiar na vida adulta, aprendeu a transformá-lo em forma literária e com isso, talvez, conquistou o direito de fantasiar publicamente, sem culpa.

Freud não começa com definições, mas com uma desconfiança: a de que há algo de inconsciente na produção artística. A arte, nesse sentido, não nasce do cálculo, mas do desejo. Desejo, claro, não no sentido superficial, mas como força motriz da psique. Toda fantasia, diz ele, é uma realização de desejo e o mesmo valeria para a criação poética. Ainda que o poeta modifique, disfarce e trabalhe suas fantasias, o ponto de partida é o mesmo: insatisfação com a realidade.

O aparelho psíquico, segundo Freud, é governado pelo princípio do prazer, uma tendência a buscar satisfação imediata dos desejos e evitar o desprazer. Contudo, as exigências da realidade e da vida em sociedade impõem limites a essa satisfação direta. É aqui que entra a sublimação (noção que será tema de reflexões, mais tarde, por Marcuse): um mecanismo psíquico que permite redirecionar a energia das pulsões sexuais e agressivas para atividades socialmente valorizadas, como a arte, a ciência e a filosofia.

Talvez o que há de mais poderoso nessa perspectiva seja o paralelo que Freud estabelece entre a brincadeira da criança, os sonhos do adulto e a obra do poeta. A criança brinca com seriedade, leva a sério seu mundo imaginário, mesmo sabendo que não é real. O adulto, por sua vez, abandona o brincar visível, mas continua fantasiando, só que agora em segredo. E o poeta? O poeta é aquele que traz essas fantasias de volta à superfície, revestidas de forma artística, e nos oferece a chance de partilhá-las com prazer, sem vergonha.

Mas então toda arte seria apenas confissão disfarçada?

Freud não é tão simplista. Ele reconhece que o poeta transforma. Não expõe sua fantasia crua. Ele a molda, a organiza, a estiliza. E é aí que entra a "ars poética", a arte de tornar público o que, na maioria de nós, permanece recalcado. O poeta não apenas fantasia: ele nos permite fantasiar com ele. E mais: ele nos oferece um prazer estético, uma espécie de "prêmio preliminar" que suaviza o conteúdo da fantasia e nos seduz a aceitá-la.

Essa ideia é sutil, mas central: o prazer que sentimos diante da arte não vem apenas do conteúdo, mas da forma como ele nos é apresentado. Há algo na forma estética (como o ritmo, beleza, estilo) que nos prepara para lidar com aquilo que, em estado bruto, talvez nos causasse repulsa ou vergonha. A arte, nesse sentido, é uma operação ambivalente: revela o desejo e o disfarça ao mesmo tempo.

A arte oferece uma forma de satisfação substitutiva. Por meio dela, o artista e o público podem vivenciar prazeres inacessíveis ou proibidos na vida real. Ao assistir a uma tragédia no teatro, por exemplo, sentimos emoções intensas sem enfrentar seus riscos ou consequências. Já o artista consegue, ao criar, expressar e elaborar seus próprios conflitos internos.

Mas como explicar o prazer que sentimos diante de obras que mostram dor ou sofrimento? Para Freud, isso se relaciona com a ideia de catarse, de origem aristotélica. Ele entende a catarse como uma descarga de tensões psíquicas proporcionada pela experiência artística. Ao nos identificarmos com personagens trágicos ou situações angustiantes, liberamos emoções reprimidas. Fazemos isso de forma segura e socialmente aceitável.

Arnold Böcklin, "A Ilha dos Mortos", 1880
Mas se o artista fantasia, por que sua fantasia nos interessa?

Porque ela não é apenas dele. Freud sugere que as fantasias individuais têm raízes comuns. Desejos como de amor, de reconhecimento, de poder, desejos com os quais muitos sonham. O poeta, então, é alguém que torna público um sonho privado. E o que nos emociona em sua obra é justamente o fato de reconhecermos ali algo de nós mesmos. A arte, assim, funciona como uma ponte entre o íntimo e o compartilhável, entre o singular e o universal.

Uma noção particularmente interessante na análise freudiana da arte é a do "estranho" ou, ainda, "inquietante". Trata-se daquilo que é ao mesmo tempo familiar e estranho, conhecido e assustador. Na arte, esse elemento aparece quando algo que deveria permanecer oculto vem à tona, provocando uma sensação peculiar de desconforto. Pensemos, por exemplo, nas bonecas e autômatos que aparecem em contos fantásticos. São objetos familiares que, em certo contexto, tornam-se inquietantes por sugerirem uma vida própria.

Hans Bellmer, "La Poupée", 1934–1940

A criação artística, segundo Freud, se assemelha ao sonho. Ambas compartilham mecanismos inconscientes. Na arte, como nos sonhos, há condensação, em que várias ideias ou imagens se combinam numa só. E há deslocamento: quando o significado de um elemento é transferido para outro. O artista, como o sonhador, elabora seu material psíquico através de símbolos e metáforas.

Para Freud, a infância é a matriz da fantasia. As brincadeiras infantis, centradas no desejo de "ser grande", são o primeiro ensaio da criação artística. Quando crescemos, deixamos de brincar com bonecos e cenários visíveis, mas continuamos criando mundos mentais. A arte seria, então, uma continuidade sofisticada da brincadeira infantil. Ela retoma, sob novas formas, os jogos de representação que a infância inaugurou. Nesse sentido, o artista é, sim, uma criança persistente, mas uma criança que aprendeu a dar forma pública ao seu mundo privado.

Nesse sentido, o poeta não cria a partir do nada. Ele parte de uma impressão atual, algo no presente que acende uma pequena faísca; essa faísca, por sua vez, ilumina uma antiga lembrança, frequentemente infantil, onde aquele mesmo desejo encontrou satisfação. E então, num salto criativo, projeta no futuro uma nova realização desse desejo, agora transformado em obra. Não é à toa que tantas histórias começam com "Era uma vez" e terminam com alguma forma de redenção – elas mimetizam esse movimento psíquico que vai do agora ao antes, para então inventar um depois. O romance, o poema, a peça teatral são, nesse sentido, máquinas do tempo movidas a desejo, dispositivos que nos permitem habitar simultaneamente várias dimensões temporais sem as limitações da realidade concreta. E talvez seja justamente essa elasticidade temporal que torna a arte tão libertadora, pois ali onde o relógio do mundo real só nos permite seguir numa direção, o compasso interno da criação artística pulsa em múltiplas temporalidades.

Salvador Dalí, "A Persistência da Memória", 1931

É claro que nem toda fantasia vira arte. Freud reconhece que, muitas vezes, as fantasias permanecem escondidas, ou se convertem em sintomas. Há uma fronteira tênue entre a criação e a neurose. A diferença? O artista consegue canalizar suas fantasias para uma forma simbólica socialmente aceita. Ele sublima. Transforma pulsão em obra. É por isso que, para Freud, há uma relação estreita entre arte e saúde psíquica, não no sentido moral, mas como economia do desejo.

É importante notar que Freud não reduz a arte a um mero sintoma ou expressão de conflitos psíquicos. Ele reconhece que a verdadeira obra de arte transcende as motivações pessoais do artista e atinge uma dimensão universal. O artista consegue dar forma a experiências e emoções que são ao mesmo tempo profundamente pessoais e universalmente humanas.

A abordagem freudiana para a estética sugere uma compreensão referente a não apenas por que fazemos arte, mas também por que precisamos dela. Em uma civilização que impõe restrições aos impulsos mais básicos, a arte oferece um espaço de liberdade onde se pode explorar, de forma transformada e sublimada, aquilo que resiste à domesticação.

O poeta, então, não é um herói iluminado, mas um engenheiro da fantasia. Alguém que aprendeu a lidar com os materiais instáveis do inconsciente e a moldá-los em formas comunicáveis. Sua grandeza não está em estar acima da condição humana, mas em representá-la com profundidade. E talvez seja justamente por isso que a arte, mesmo sendo ficção, nos pareça mais verdadeira que a própria realidade. Porque, no fundo, todos fantasiamos. A diferença é que o poeta tem coragem e técnica para compartilhar o seu castelo de ar. E ao fazê-lo, nos convida a visitar o nosso.

René Magritte, "O Castelo dos Pirineus", 1959