Para Theodor Adorno, a questão da arte não pode ser separada da crítica radical da sociedade. Em um mundo onde a racionalidade instrumental transformou-se em irracionalidade total, onde o progresso técnico convive com a barbárie social, a arte emerge como um dos últimos refúgios do pensamento crítico, mas apenas enquanto mantiver sua negatividade essencial.
Essa negatividade não é uma simples recusa ou oposição ao existente. A arte verdadeira, para Adorno, é aquela que incorpora as contradições sociais em sua própria forma, sem resolvê-las em uma falsa harmonia. É por isso que a arte moderna, em seu hermetismo e dificuldade, é mais "verdadeira" que a arte facilmente consumível: ela resiste à integração na lógica da mercadoria. A "arte fácil", ao proporcionar um prazer sem esforço, torna-se cúmplice da dominação.
Mas como a arte pode resistir a essa tendência à mercantilização total? Para Adorno, essa resistência se dá através do que ele chama de "forma". A forma artística não é um mero invólucro do conteúdo, mas o meio pelo qual a arte processa e critica a realidade social. É na forma que se manifesta o "conteúdo de verdade" da obra de arte.
Tomemos o exemplo da música dodecafônica de Schoenberg, que Adorno considerava paradigmática. Sua recusa da tonalidade tradicional não é um mero experimento formal, mas uma resposta necessária à crise da subjetividade burguesa. A dissonância musical expressa a dissonância real da sociedade, recusando-se a oferecer a falsa reconciliação que a música comercial promete.
Essa ênfase na forma não significa, contudo, um formalismo vazio. Pelo contrário: para Adorno, a forma é o meio pelo qual a arte incorpora e processa o material histórico-social. A autonomia da arte (sua separação da vida prática) não é uma fuga da realidade, mas a condição de sua força crítica. É precisamente por não se submeter imediatamente às exigências da utilidade que a arte pode manter seu potencial utópico.
Mas esse potencial utópico não se realiza através de conteúdos positivos. A arte não mostra como o mundo deveria ser, mas revela, através de sua própria constituição, a falsidade do existente. Seu momento de verdade está em sua capacidade de dar voz ao sofrimento, de expressar o que é silenciado pela racionalidade dominante.
Isso explica por que, para Adorno, a arte moderna tende necessariamente ao obscuro e ao dissonante. Em um mundo falso, a harmonia se torna mentira. A arte verdadeira deve incorporar em si a violência da realidade social, não para celebrá-la, mas para expô-la em toda sua negatividade. O feio e o dissonante na arte são cicatrizes do sofrimento real.
A experiência estética, nesse sentido, é uma forma de conhecimento, mas um conhecimento que não se reduz a conceitos. A arte conhece a realidade criticamente, ao incorporar suas contradições sem resolvê-las. É um conhecimento que preserva o momento da não-identidade, que resiste à tendência do pensamento identificador de reduzir tudo ao mesmo.
Mas como pensar essa negatividade da arte em nossa época, quando até mesmo o mais radical parece ser rapidamente absorvido pelo mercado? Como manter o potencial crítico da arte quando a própria crítica se tornou uma mercadoria?
A resposta, seguindo o pensamento adorniano, não pode ser um retorno nostálgico a formas artísticas do passado, nem uma simples recusa da técnica moderna. A arte deve encontrar formas sempre novas de resistência, incorporando as contradições do presente sem sucumbir a elas. Sua tarefa é manter viva a possibilidade do diferente em um mundo que tende à homogeneização total.
Nesse sentido, o papel que a arte teria a cumprir se apresenta como a tarefa de manter viva a consciência da não-identidade, da possibilidade do outro. Afinal, não seria precisamente essa capacidade de negar o existente que continua fazendo da arte uma força vital para o pensamento crítico?
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