Há mais de dois mil e quinhentos anos, Pitágoras e seus seguidores acreditavam que a chave para compreender a beleza havia sido identificada: estava centrada no número (arithmos), entendido como princípio fundamental da realidade. Na época, os números não eram entendidos como abstrações áridas, eram entendidos como realidades concretas. Enquanto hoje, o senso comum trata os números como quantidades abstratas, os pitagóricos os concebiam de modo concreto, representando-os como arranjos de pedras ou pontos. A própria palavra “cálculo” significa “pedrinha”, que era a ferramenta a partir da qual se faziam as operações matemáticas. Nesse contexto, não havia o “zero”, pois não tinha como o representar com pedras.
Os pitagóricos distinguiam entre aritmética (o estudo dos números em si mesmos) e logística (a aplicação prática do cálculo). Seu interesse principal estava na primeira, compreender a natureza inerente e as relações dos números.
Pitágoras e seus seguidores descobriram um jeito matemático de entender por que certos sons combinam bem na música. Eles usaram um instrumento chamado monocórdio, que nada mais é do que uma corda esticada sobre uma régua com marcações. O exemplo é simples: quando você aperta a corda em certos pontos, ela vibra de um jeito diferente e produz notas que soam bem juntas. Se você dividir a corda ao meio (2:1), o som sobe uma oitava – como se fosse a mesma nota, só que mais aguda. Se apertar em um terço do comprimento (3:2), sai um som chamado quinta perfeita. E se apertar em um quarto (4:3), dá uma quarta perfeita. Ou seja, Pitágoras mostrou que a música não é só um monte de sons jogados ao acaso, tem matemática por trás, e isso explica por que algumas notas combinam tão bem.
Esta descoberta foi revolucionária. Demonstrou que qualidades estéticas (o som agradável da consonância) podiam ser diretamente relacionadas a proporções matemáticas. A beleza, pelo menos no âmbito auditivo, não era subjetiva, mas fundamentada em relações numéricas objetivas. Este insight forneceu suporte empírico para a convicção pitagórica de que o número está subjacente a todos os fenômenos.
Os pitagóricos perceberam que a música considerada agradável tem matemática por trás. Daí veio a grande pergunta: e se não fosse só na música? E se toda beleza, toda arte e até o próprio universo seguissem essas mesmas regras matemáticas? Para eles, a resposta era um sonoro sim. Eles achavam que a matemática não foi inventada, mas sim descoberta, porque já estava na natureza desde sempre. Tudo seguia números e proporções, das plantas às estrelas.
Nessa perspectiva, os pitagóricos sugeriram que o sol, a lua e os planetas, ao girarem ao redor da Terra, criavam com esse movimento harmônico uma música, som esse que os humanos não conseguem ouvir, mas que uma mente sábia poderia perceber. Para os pitagóricos, o universo inteiro era como uma grande orquestra, tocando uma música perfeita que regia tudo. Essa noção pitagórica de "harmonia das esferas" foi retomada e debatida por séculos por autores como Boécio na Idade Média.
Por que, então, não ouvimos esta música cósmica? Os pitagóricos explicavam que, como peixes nascidos na água que não podem conceber a umidade porque nunca experimentaram a secura, os humanos estiveram imersos nesta harmonia cósmica desde o nascimento e, assim, não podem percebê-la como som. Apenas através da contemplação filosófica alguém poderia tornar-se consciente destas harmonias divinas.
A descoberta pitagórica da base matemática da harmonia musical teve influência direta na compreensão da beleza. Se números explicavam por que certos sons combinavam, talvez também explicassem por que certas formas e proporções pareciam agradáveis aos olhos.
Este insight influenciou a arquitetura grega, a escultura e a teoria estética. A "proporção áurea", embora não especificamente identificada pelos pitagóricos, emergiu desta tradição de buscar proporções matemáticas em objetos belos. A noção de "proporção áurea" é baseada em uma relação matemática de proporção, de medidas que aparece na natureza em geral, em conchas, em plantas e até mesmo no corpo humano. Tal noção de proporção perfeita foi utilizada já pelos gregos antigos na arquitetura e nas artes com a pretensão de, com isso, atingirem a construção da beleza.
Nesse sentido, a beleza não era entendida como uma qualidade subjetiva na mente do observador. Para os pitagóricos a beleza se projeta enquanto uma propriedade objetiva das coisas que exibiam proporção e harmonia adequadas, tanto nas construções humanas quanto no cosmos. O termo kosmos, que agora usamos para nos referir ao universo, significa, em grego, "ordem", sugerindo tanto perfeição estética quanto estrutural. Nesse sentido, os pitagóricos viam o universo como kosmos, como um sistema perfeitamente ordenado que também era supremamente belo em virtude de sua harmonia matemática.
Diante dessa objetividade na beleza, surge uma questão: se a beleza se fundamenta em princípios universais, como explicar a diversidade estética entre culturas? Para os pitagóricos, assim como existem infinitas maneiras de expressar relações matemáticas, há infinitas formas de manifestar a harmonia. A diversidade não contradiz a universalidade dos princípios. Antes é sua expressão. E se antes a relação entre arte e números era uma teoria filosófica, hoje ela se concretiza em nosso cotidiano: toda arte digital, das imagens aos sons, é codificada em números. Em certo sentido, vivemos uma nova era pitagórica.
O pensamento pitagórico não se restringe à estética: para eles, a harmonia era também um princípio ético e espiritual. A arte não apenas agrada aos sentidos, mas harmoniza a alma. Os pitagóricos viam a alma virtuosa como aquela que possuía proporção interna e equilíbrio. Nesse sentido, acreditavam que a música podia ser usada como terapia para restaurar a harmonia de uma alma desordenada.
A abordagem pitagórica sugere a harmonia como um princípio cósmico, um reflexo da própria estrutura do universo. Criar ou apreciar arte era uma forma de sintonia com essa ordem profunda. A ideia de que os mesmos princípios de proporção e equilíbrio podem se aplicar através de diferentes escalas, de tons musicais a movimentos planetários, de designs arquitetônicos a escolhas éticas, sugere a possibilidade de uma compreensão mais integrada de nosso lugar no cosmos.
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