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O que sentimos diante da beleza?

Costuma-se achar belo um móvel, uma decoração, um azulejo. Costuma-se perguntar ao companheiro ou companheira se o cabelo está bonito, se a gravata escolhida é bela. Contudo, se usamos a palavra “beleza” para nos referirmos ao que sentimos diante de objetos prosaicos, o que nos resta para nos expressarmos diante de obras de arte? Ou diante da lua cheia?

beleza

7 minutos

Por um longo período, o foco das reflexões filosóficas sobre a arte e a beleza estava no objeto, em quais características o objeto precisava ter para ser considerado “arte”, ou, ainda, para ser considerado “belo”. Apenas na modernidade, com a promoção da noção de “eu”, da noção de “sujeito”, é que o foco passou a abordar também o que o sujeito sente diante da arte, ou, ainda, o que o sujeito sente diante da beleza, da feiura, do grotesco... Nesse momento, nasce a “estética” como disciplina filosófica autônoma.

Nesse contexto, em uma obra chamada Crítica da Faculdade do Juízo Kant inaugura um novo modo de pensar sobre a beleza e a arte. Segundo o filósofo, a beleza não está pautada em nenhum critério objetivo do objeto. Para melhor esclarecer, Kant faz uma distinção entre sensação e sentimento. Quando vejo o campo verde, o verde do campo é uma sensação, objetiva, e serve para pretensões de conhecimento. Mas se esse verde me causa um prazer ou um desprazer, isso se refere ao sentimento do sujeito que está apreciando aquela imagem do campo, e não serve em nada para o conhecimento.

A beleza está pautada no modo como o sujeito sente, como sentimento, nunca como sensação. Por isso não há como classificarmos um objeto como belo por características objetivas, sejam quais forem (perfeição, harmonia, proporção...). Precisamos é investigar os modos a partir dos quais o sujeito sente, como sentimento, aquilo que se apresenta a ele. Todos os sentimentos, para Kant, são reduzíveis a dois: o prazer e o desprazer, ou seja, manter aquela representação diante de nós (no caso do prazer) ou desfazer aquela representação, fugir daquele estado (no caso do desprazer). E, ainda, haveria quatro modos a partir dos quais os sujeitos sentem um prazer ou um desprazer: no agradável, no bom (e no útil), no belo e no sublime. E somente esses modos.

No caso do agradável, o prazer (ou o desprazer) é sentido imediatamente, o objeto em contato com o corpo causa esse prazer, sem reflexão. Como a água gelada em contato com a boca em uma tarde de calor extremo. Ou, ainda, o desprazer imediato quando se bate o dedo na quina do móvel. É nesse âmbito que se encaixa a máxima “gosto cada um tem o seu”. Temperos, costumes, agradam e desagradam uns e não outros.

No caso do bom (tanto do bom em si quanto do útil) haveria uma espécie de satisfação que é mediada pela reflexão conceitual. Após o sujeito fazer o que ele tinha se comprometido a fazer, ter cumprido a sua meta pessoal de ano novo, ter entregue aquela demanda que a muito o fazia perder o sono, o sujeito sente uma satisfação, um prazer, que é mediada pela reflexão, ou ainda, pelo cálculo de que fez o que era certo, ou, ainda, de que fez o que era necessário. Bem como, o desprazer, quando deixa de cumprir o combinado e o próprio sujeito se repreende pelo ocorrido.

No caso da beleza, há uma situação na qual não é o objeto em contato direto com o corpo que causa prazer, e nem há uma reflexão conceitual mediando esse sentimento. O sujeito se põe a contemplar, a fruir aquilo que se apresenta diante dele, e isso se dá antes que seja dado qualquer conceito determinado ao objeto. E isso causa um prazer. Para melhor me fazer entender, vou expor rapidamente (e de modo simplificado) como Kant pensa o processo de conhecimento. Para o filósofo, pelos nossos sentidos (tato, visão, audição...) captamos o que está diante de nós. Essas informações são remetidas à imaginação (que seria uma faculdade mental), que agrupa o que foi captado em esquemas. Quando há um esquema com informações suficientes, outra faculdade mental chamada entendimento legisla um conceito sobre o esquema, e nesse momento há o conhecimento. Quando se dá um conceito.

E quando seria o momento da fruição estética? Do sentimento inerente ao belo? Seria no momento em que os sentidos captam os fenômenos diante de nós e remetem o que foi captado para a imaginação, que agrupa em esquemas. Esse é o momento possível da fruição estética, da apreciação da beleza, que entretém as faculdades mentais do sujeito em uma contemplação livre (da determinação de qualquer conceito) e desinteressada (sem interesse na utilidade daquilo, na posse do objeto contemplado, ou qualquer outro tipo de interesse). O sujeito apenas se põe a contemplar aquilo diante dele pelo tempo que esse sentimento durar.

Campos de Tulipa na Holanda

Com isso quero salientar que é possível atribuirmos conceitos àquilo que foi sentido como belo, mas é um momento temporalmente posterior à fruição daquilo como belo. Por isso não se pode inverter as coisas e atribuir beleza em decorrência de algum conceito, alguma propriedade objetiva do objeto.

Com isso é interessante salientar também que não interessa se o sujeito é curador do Museu do Louvre ou se ele nunca viu uma obra de arte na frente. Diante daquilo que é belo, ambos sentirão o mesmo. Como a fruição estética não está baseada em conceitos, não interessa o quanto o sujeito leu, viu, viajou, ou que experiências singulares teve. Todos poderão sentir o belo como belo, independente inclusive de cultura, pois tal sentimento está baseado naquilo que é básico na constituição de todo e qualquer sujeito. Com isso Kant argumenta que mesmo sendo subjetivo, o sentimento de beleza é universalizável, pode-se exigir de qualquer um que sinta o mesmo diante do que de fato é belo. Só não se pode é convencer o outro, argumentativamente, que o objeto é belo, pois tal não se baseia em conceitos.

Erupção Vulcânica do Fagradalsfjall em Geldingadalur

Já no caso do sublime, o filósofo indica que tal experiência se dá diante da grandiosidade da natureza, que pode nos aniquilar facilmente, uma avalanche, um mar revolto. Haveria a necessidade de superação de nossa animalidade, do medo, para que encontrássemos em nós mesmos algo que fosse maior que a própria natureza diante de nós, que é a nossa razão, e, após isso, poderíamos contemplar aquilo diante de nós, em uma emoção violenta (enquanto na beleza é em serena contemplação).

Dito isso e para não me alongar demais, o que gostaria de colocar como tema de reflexão ao leitor que chegou até aqui é o questionamento referente a se sentimos de fato aquela espécie de prazer, em serena contemplação, sem conceito, sem interesse, de modo universal, que caracteriza a fruição da beleza, quando dizemos que uma gravata é bela, ou, ainda, um azulejo. Não seria apenas agradável?