Os seres humanos, durante todo o período evolutivo, sejam como nômades caçadores-coletores, seja em assentamentos fixos e cidades, pós surgimento da agricultura, passavam a maior parte de seu dia realizando trabalhos ativos, se movimentando, boa parte do tempo em pé. No entanto, com a revolução tecnológica ocorrida a partir dos anos 80, uma parcela considerável da população trabalha a totalidade de sua jornada sentada em frente a um computador.
Essa enorme quantidade de tempo sentado em uma mesa de maneira praticamente estática, movendo apenas dedos e punhos, evidentemente levou a uma epidemia de lesões de toda sorte, pontuais ou crônicas.
O surgimento de lesões decorrentes das condições de trabalho levou a criação do estudo da ergonomia. A palavra ergonomia deriva do grego ergon (trabalho) e nomos (leis), ou seja, é uma ciência que buscar definir as regras para uma melhor condição de trabalho e descanso.
Este texto não busca passar as regras e princípios da ergonomia, o que já é fartamente documentado e de fácil acesso na internet, mas antes, discutir como acasos do destino e decisões comerciais definiram os padrões que usamos hoje, e também, como independentes desses padrões, frequentemente não é possível um ajuste ótimo, nos colocando em dilemas de escolha sobre as vantagens e desvantagens de cada arranjo.
O denominador comum funciona?
Como se sabe, a maior parte das lesões decorrentes do uso de computador poderia ser evitada com um posicionamento correto do usuário e de todos os demais itens. Contudo, esse ajuste fino demandaria uma enorme gama de variações de tamanhos e ajustes, o que geralmente é inviável tanto para os fabricantes, quando para as empresas adquirentes, que terão uma rotatividade de funcionários utilizando as mesmas instalações.
Para solucionar esse impasse, a indústria estabelece um denominador comum que atenda da melhor forma o maior número de pessoas. À primeira vista, essas especificações parecem residir no valor médio, mas na verdade, frequentemente estão deslocadas desse ponto. Explico: os joelhos devem ficar preferencialmente num ângulo de cerca de 90 graus. Um conjunto de mesa e cadeira altas para uma pessoa baixa, pode ser corrigido com um apoio de pés. Ao contrário, um conjunto baixo para uma pessoa alta jamais poderá ser corrigido, e o usuário ficará com os joelhos flexionados. Da mesma forma, um monitor sem ajuste de altura e que esteja baixo, poderá ser reposicionado com livros ou um suporte abaixo, mas o oposto é impossível.
Portanto, podendo ser reajustado por outros meios, o valor estipulado pela indústria será aquele que atenderá o maior número de pessoas (aumentando o número de vendas), ainda que seja estipulado em um valor acima da média dos usuários, e, portanto, adequado a um número menor deles.
Noutros casos, o padrão da indústria não só pretende atingir diferentes corpos, mas também diferentes necessidades. É defendido que a posição correta seriam os cotovelos apoiados num ângulo de cerca de 90 graus no descanso de braço da cadeira. Para se adequar a essas especificações, a mesa precisaria estar a uma altura pouco acima de nossas pernas. Enquanto essa configuração é a mais confortável para digitar, é baixa e desconfortável para ler e especialmente escrever.
Enquanto hoje já é possível adquirir mesas motorizadas com ajuste de altura, o restante das mesas vendidas está em um intermediário que atenda ambas as atividades, sendo, todavia, bem mais alta que o ideal para a média dos usuários.
Como a ergonomia não acompanhou a evolução tecnológica
No entanto, diversos outros problemas surgiram por acasos do destino, e posteriormente, se perpetuaram pelo fato de que as pessoas já terem se acostumado a determinada configuração, de modo que tentar emplacar uma solução mais adequada resultaria em perda de vendas.
Por exemplo, as máquinas de escrever, por serem muito sujeitas a travamento dos martelos, possuem um layout de teclas tanto inclinadas quanto desalinhadas, uma disposição que é ergonomicamente ruim, mas foi replicada nos teclados de computadores, que não sofriam com tais problemas.
Da mesma forma, o padrão QWERTY, também criado tendo em mente uma disposição de teclas que mitigasse as chances de travamento das máquinas de escrever, é hoje sabidamente um layout ineficiente, havendo diversas outras possibilidades que tornam a digitação mais rápida e fluída, como o DVORAK e COLEMAK, ou mesmo disposições especialmente adequadas as palavras mais usadas em determinado idioma. Novamente, o custo do aprendizado, ou a enorme possibilidade de a todo momento se deparar e precisar usar o padrão da indústria faz com que a maior parte das pessoas não cogite a mudança.
Outro curioso fator que foi crucial em determinar o padrão da indústria hoje foi o fato de os teclados com bloco numérico lateral terem se difundido antes da criação e popularização do mouse. Esse mero acaso, somado ao fato da maioria da população ser destra, faz com que hoje grande parte das pessoas usem os teclados de forma descentralizada de seu corpo, para permitir o uso do mouse a um alcance possível. Essa disposição deixa os braços tortos e pode levar a diversos tipos de lesão.
Para solucionar esse problema, diversos fabricantes lançaram soluções que favorecessem um ajuste mais alinhado, como teclados sem numpad, ou com ele separado ou ajustado à esquerda, teclados com separação central entre as teclas, para permitir um melhor alinhamento dos braços. Esse problema também pode ser resolvido pelo uso do mouse com a mão esquerda, porém depende não só de um mouse ambidestro/canhoto, mas também de uma nova curva de aprendizado.
Como devem ter percebido, quase toda alteração visando uma melhoria pontual, acaba por acarretar uma piora em outro ponto. Um teclado deslocado a esquerda é mais desconfortável, mas resulta em um uso do mouse mais agradável com a mão direita. Já um teclado centralizado é melhor para digitação, mas tem como contrapartida um uso do mouse mais deslocado e desconfortável.
No geral, os objetos em nossa mesa devem ser divididos em zonas de prioridades, com os de uso contínuo sempre alinhados e ao alcance mais curto e confortável possível.
O mesmo problema ocorre com os hoje tão frequentes usuários de dois monitores. Um monitor principal alinhado com o corpo, e outro posicionado lateralmente, faz com o usuário precise sempre movimentar o pescoço para o mesmo lado. Já um arranjo com ambos inclinados e alinhados com o corpo, faz com que viremos para os lados de forma proporcional, mas em contrapartida, jamais fiquemos com o pescoço em posição neutra.
Este é inclusive um dos pontos que mais ajudam a evitar dores no uso de computador. As posições pronadas de teclado e mouse criam uma rotação antinatural, que no longo prazo tendem a gerar dores. Dessa forma, muitas pessoas hoje optam por teclados curvos e inclinados e mouse verticais, que por permitirem uma pegada mais neutra, aliviam o estresse nos músculos e articulações.
Noutros casos, temos um conjunto desses problemas. Com a popularização e queda de preços de notebooks, que passaram da exceção à regra como computador pessoal dos indivíduos, a situação só piorou. Inicialmente desenhado como computador portátil, para ser usado esporadicamente e por curtos períodos, atualmente se tornou o computador pessoal e de trabalho de muitos, e com isso, apenas agravou os incômodos gerados.
O problema mais evidente é o fato de ser impossível teclado e tela estarem simultaneamente em posições ergonômicas. Você pode ajudar um deles, sempre ao custo do outro. Se o teclado estiver confortável, a tela estará baixa, se a tela estiver numa posição agradável, o teclado estará baixo. Reclinar a tela, além de não resolver, frequentemente distorce a percepção das cores. Além disso, o trackpad centralizado e junto ao corpo, cria uma desconfortável inclinação e rotação no pulso. Claro, é possível deixar o notebook elevado na altura dos olhos, e usar teclados e mouse separados, mas a verdade é que notebook sempre será uma opção ruim para trabalhar por longos períodos.
Assim, percebe-se que embora por vezes seja possível chegar a um correto ajuste ergonômico, em outras, estaremos diante de um eterno trade-off, pois será impossível resolver um problema sem criar outro, combater uma dor, sem criar uma diferente em outro lugar. Qualquer que seja o caso, é importante estarmos sempre atentos as condições e ajustes ergonômicos em nosso ambiente de trabalho, pois as dores decorrentes de um posicionamento errado ou esforço repetitivo demorar a se manifestar, mas quando aparecem, demorar a melhorar.
Postado em: