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Sobre as nossas noções limitadas de beleza

Pode-se considerar que há noções de beleza que não se restringem a uma perspectiva geográfica, temporal ou, ainda, cultural, como a lua cheia e a rosa. Contudo, muito do que consideramos belo hoje é somente uma construção frágil. O que fazer com uma noção de beleza, ou, ainda, por que mudar minha vida por uma noção de beleza que não vale nem do outro lado do rio? Que só vale para uma temporada?

estatuas pintadas

6 minutos

Quando vemos esculturas brancas esculpidas em mármore, como o Davi, de Michelangelo, temos presente a concepção de que se trata de uma obra de arte bela. Contudo, no período grego/romano antigo, as estátuas em mármore eram coloridas, esse era o padrão clássico. Sabemos disso pela análise de resíduos de pigmentos encontrados em esculturas antigas. As estátuas de mármore que sobreviveram até os nossos dias perderam suas cores com o tempo.

Quando os renascentistas foram buscar inspiração para as suas obras, já não havia cor nos exemplares da época clássica mencionada e, desse modo, trabalharam com o que tinham como modelo, em um mal-entendido histórico da arte. Hoje, apesar de sabermos que na época de ouro da arte antiga o que se valorizava era outro padrão, não é fácil para nós olharmos uma escultura colorida e termos a mesma fruição estética do que diante de uma escultura branca. Cultura. Construção social nos moldando até no que sentir e diante do que sentir.

Outro exemplo de construção cultural de nossas noções de beleza é o chamado pé de lótus, uma prática chinesa de modificação corporal que consistia em enfaixar os pés das meninas desde muito jovens para limitar o crescimento natural dos pés, com o objetivo de alcançar um formato considerado belo. Essa prática se tornou um símbolo de status e beleza particularmente entre as classes altas, mesmo à custa da saúde e do bem-estar físico.

Pés pequenos eram vistos como um sinal de feminilidade, delicadeza e erotismo. As mulheres que possuíam pés pequenos eram consideradas mais atraentes e desejáveis para o casamento. A prática do enfaixamento dos pés causava dor extrema, deformações permanentes, e sérias limitações à mobilidade das mulheres e, mesmo assim, remetia ao belo.

Em desenhos animados mais antigos e até pouco tempo, era notório também padrões estéticos para os vilões e para os heróis. Mesmo sem saber a história, vendo os dois personagens já se poderia acertar qual papel cada um deles desempenharia na trama. Isso pode ser remetido a uma tese antiga que pode ser lida em Platão, da beleza como um símbolo do bem. Nesse sentido, nos desenhos mencionados, se reforçava que o belo seria o herói e o feio seria o vilão.

Além disso, a própria noção de beleza utilizada nesse contexto também era uma decisão cultural, limitada. Seguindo princípios como o dos estudos de Vitrúvio, um arquiteto que viveu no século I a.C, se estudou por longo tempo a relação da beleza com a proporção e a simetria. Foi o trabalho de Vitrúvio que inspirou a conhecida obra O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci.

Conjugando a abordagem de Vitrúvio com a consideração de influência platônica, o que temos são obras como Cristo Carregando a Cruz, de Bosch, no início do século XVI, na qual apenas estão proporcionais e simétricos os rostos de Jesus e de Verônica, a mulher que teria enxugado o rosto de Jesus. Todos os demais personagens do quadro estão pintados sem o mesmo rigor com relação a proporcionalidade e a simetria.

Até mesmo a Torre Eiffel, um dos monumentos mais reconhecidos e visitados do mundo, símbolo de beleza, foi considerada feia e chamada de “chaminé gigante”, uma afronta ao bom gosto e à elegância arquitetônica de Paris por importantes intelectuais e artistas franceses na época de sua construção, que chegaram a publicar uma carta aberta chamada Protesto dos artistas contra a torre do Sr. Eiffel. Não precisou de muito tempo para que as pessoas olhassem para a mesma “chaminé gigante” como um marco de beleza arquitetônica e cultural.

Note-se, que não se trata somente de uma cultura bem distinta para que se tenha noções diferentes de beleza. Uma mesma comunidade, em pouco tempo, pode ter suas noções de beleza e feiura reviradas ao avesso. Ou, ainda, se tem em uma mesma comunidade ao mesmo tempo, várias noções distintas de beleza, em grupos que convivem harmonicamente em uma mesma localidade.

A questão que se quer salientar nessa breve reflexão é a de que corremos o risco constante do etnocentrismo, de julgarmos os outros a partir de nossa própria cultura, como se a nossa cultura fosse a correta, a justa, a bela, e todas as demais estivessem erradas. Ou, ainda, a de nos submetermos de bom grado a procedimentos invasivos, dolorosos, irreversíveis de modificação constante de nossa biologicidade apenas para nos adequarmos a uma concepção de beleza que vale hoje, fruto de uma construção cultural, e que talvez não valha mais amanhã, ou, ainda, não valha do outro lado do rio.

O que se costuma ver propagada é a constante valorização do corpo ideal (ideal, não o real, não o possível), a saúde ideal, a vida ideal, o trabalho ideal, e nessa busca constante pelo ideal deixamos de valorizarmos o real, o possível, deixamos de tirar fotos sem os filtros do aplicativo e, depois, não nos reconhecemos no espelho, sem os mesmos filtros. Além disso, por fim, fica a dúvida, sobre o quanto de nossa noção de beleza realmente é genuína e o quanto dela é refém de nossa cultura (da qual, aliás, não nos é possível desviar). O que fazer diante disso?