No final de 2018, Tallis Gomes sofreu um acidente quando saltava de paraquedas, um dos muitos esportes que pratica regularmente. Uma fratura séria no tornozelo fez com que o médico que o atendeu na emergência chegasse a pensar em amputação. “Eu disse que ele não me amputaria e que logo eu estaria bem. A previsão é de que eu levaria um ano pra andar novamente. E aqui estou eu, voltando pra academia, três meses depois”, diz. Tallis emana um certo sentimento de invencibilidade. Isso não significa que acredite que não possa perder. Mas que confia que, toda vez que algo der errado, ele tem uma saída planejada para o problema. Em termos de negócios, se sua empresa quebrar, o que pode “acontecer amanhã”, como costuma dizer, é algo que vê como parte da vida do empreendedor. Foi assim que começou sua primeira empresa, aos 14 anos, vendendo celulares em sua cidade, no interior de Minas Gerais. Foi assim também que fundou a Easy Taxi, que chegou a ser líder global em seu mercado, sob seu comando. E é essa a mentalidade que está por trás da gestão da Singu, um app de serviços de beleza em domicílio, que fundou depois que vendeu sua parte no aplicativo de mobilidade. “Fiquei cinco anos à frente do Easy Taxi, fomos líderes globais da categoria e acho que a grande virada do negócio aconteceu quando a gente percebeu o quão escalável era esse modelo”, conta. Tallis fala um pouco mais sobre seu jeito de enxergar a vida e os negócios aqui.
Qual é o principal aprendizado da sua trajetória intensa como empreendedor?
Acho que é saber que não existe um caminho traçado, uma fórmula que você aplica. Eu não acredito em fórmulas mágicas, eu não acredito em receita de bolo. Eu sempre falo pro meu time: “não existe bala de prata, não tem uma ação que a gente vai fazer e que vai trazer o crescimento do mês, não tem uma ação que a gente vai fazer e que vai resolver o problema. É um conjunto de pequenas ações.
“Empreender é tomar soco na cara 90% do tempo”
Você diz que gosta de tomar risco. Como lidar com as consequências desse risco?
Eu sou um cara extremamente agressivo, tomador de risco. Óbvio que eu calculo esses riscos e planejo muito bem quais são as minhas saídas. Sou paraquedista, competidor de jiu-jitsu, faço todo tipo de esporte radical, topo qualquer coisa. Recentemente sofri um acidente de paraquedas e o médico falou em amputação quando eu fui recebido no hospital. Eu disse: “você não vai me amputar e eu vou me recuperar”. E ele falou “bom, se der tudo certo, de 6 meses a um ano pra você se recuperar”. Dois meses depois eu estou aqui estou gravando com vocês e vou ser liberado para voltar pros treinos de jiu-tsu. Acho que a vida do empreendedor é um pouco isso também, né? 90% dos dias você toma soco na cara. Tem só 10% que você tá batendo. O bom empreendedor é aquele que consegue lidar bem com os socos que ele toma na cara diariamente. E, claro, a gente nunca sabe quando a coisa vai desandar… Quem toma muito risco tem esse viés, pode quebrar a qualquer momento. Mas, por outro lado, pode construir um negócio gigante. Então eu tô disposto a tomar esse risco.
Como foi seu começo como empreendedor?
Eu comecei a empreender na cidade de Carangola, Minas. Eu sou filho de uma cabeleireira e de um policial militar, uma família muito humilde. Fui o primeiro a entrar na faculdade… Mas eu sempre acreditei que por meio do empreendedorismo eu poderia mudar a minha realidade. Então, com 14 anos, eu tinha uma banda de rock e a gente queria comprar uma bateria, mas não tinha como. Aí decidi tirar print screen das ofertas de telefone celular no Mercado Livre, imprimia um monte de folha A4 como se fosse um livrinho e revendia com 25% de margem. Cobrava 75% do valor e pedia que as pessoas depositassem os 25% remanescentes quando o produto fosse entregue. É o que hoje a gente chama de market place, né? Apesar de que na época não tinha ideia de que esse era o nome.
Quais foram os tropeços nessa jornada?
Com 17 anos eu mudei pro Rio de Janeiro para fazer faculdade. E, durante a faculdade, criei uma agência de gamificação e mídias sociais. A ideia essa que deu mega errado. Em mais ou menos 8 ou 9 meses eu tive que fechar o negócio, algo que só seria viável cinco anos depois. Me vi sozinho, sem capital, endividado e precisando pagar as minhas contas. E fiz um pouco de tudo. Fui valet, entreguei panfleto em sinal… Fazia o que dava pra poder gerar algum capital pra não passar fome, né? Ter onde morar… Comecei a morar de favor na casa de alguns amigos. Mas aí fui me reerguendo. Voltei pro mercado e procurei emprego, trabalhei em grandes multinacionais. Mas dois anos depois acabei voltando a empreender e criei minha terceira empresa, que era uma agência cloud de construção de software. Esse deu certo, mas eu queria me envolver com mobilidade.
O que foi que te levou a entrar nesse mercado, de mobilidade urbana?
A minha grande dor, a origem dessa ideia é que eu sou um cara muito ansioso e valorizo muito o meu tempo. Acho que trânsito é um dos principais ralos de produtividade da sociedade contemporânea. Então eu imaginei que se eu investisse em tecnologia e mobilidade, eu poderia economizar o bem mais valioso das pessoas, que é o seu tempo. E percebi que existia o GPS dentro do celular, pensei que daria pra fazer algo. Aí eu fui pra uma competição de empreendedorismo chamada Startup Weekend, que era sediada pelo Google, e encontrei um mentor muito famoso, o David McClure, o fundador da Five Hundred, uma das maiores aceleradoras do mundo. Cheguei no evento de empreendedorismo com a ideia de criar um aplicativo de ônibus e ele me disse: “Duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa é: a ideia é genial. A ruim é que a Google já tá fazendo. Vocês não vão querer concorrer com o Google.” E aí parti pra ideia do táxi. Lembrei de uma sexta feira chuvosa em que eu tentava pegar um táxi e ficava ligando pra cooperativa… Quem nasceu na década de 80 ou antes lembra o que é pedir táxi em cooperativa, né? É uma loucura, o pessoal te enrolava. E aí veio a ideia de conectar o GPS do telefone com um grupo de taxistas para que eu pudesse monitorar a sua posição em tempo real e informar em quanto tempo ele chegaria até o cliente. Assim nasceu a Easy Taxi. Fomos os primeiros do mundo a criar esse negócio. Sob a minha gestão, a gente escalou a Easy Taxi pra 35 países, mais de 4 continentes. Eram 420 escritórios locais nesses 4 continentes. Mais de 20 milhões de clientes e meio milhão de taxistas. A empresa chegou a ultrapassar o valor de R$ 1 bilhão e foi quando vendi para, em seguida, fundar a Singu.
Ficou mais fácil gerir uma startup depois do sucesso da primeira?
Na Singu, nosso modelo de negócio é basicamente é fazer o que a Easy Taxi faz, conectar prestadores de serviço de beleza a clientes. Mas isso era o suficiente pra uma ponta do negócio.. Pra outra, não. Percebemos que precisávamos entregar mais valor. Então entramos em serviços financeiros. Hoje a gente tem um banco dentro da empresa, onde abrimos conta corrente pra as prestadoras de serviço, cabeleireiras, manicures, depiladoras. Fornecemos cartão de débito, vamos passar a dar cartão de crédito, fazemos adiantamento de recebíveis. Ou seja, a gente tira mulheres da favela e leva pra classe média alta ganhando R$ 4 mil por mês. A gente tem casos maravilhosos de pessoas que transformaram completamente a sua vida em cima do que é o meu propósito principal da vida, que é meritocracia. Na Singu não tem conversa, quem trabalha, ganha dinheiro. E, sobre erros e acertos… a gente já errou algumas coisas no modelo, quase falimos a empresa duas vezes… Mas sempre achamos um caminho de continuar e, como é um negócio que escala muito rápido, a gente tem uns picos de crescimento que acabam viabilizando o negócio.
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